quarta-feira, 18 de maio de 2011

Com seu lixo, fazemos arte

Rodrigo Machado e Pado (Urban Trash Art)



Reportagem publicada na edição nº 25, do jornal-laboratório "Olhar Social", do curso de Jornalismo da Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS



Por Nilton Carvalho

Enquanto o trem não chegava o copo de café espantou a preguiça provocada por um sábado nublado e frio. Apesar de estar com o mapa nas mãos, ao desembarcar na estação da Lapa, precisei da ajuda de quatro pessoas para conseguir, enfim, chegar ao meu destino. Entrevistar artistas é uma tarefa desafiadora, principalmente, quando eles desenvolvem um trabalho diferente do convencional. Esta minha meta, escrever sobre a dupla Urban Trash Art, também conhecida pela sigla UTA, que há um ano e oito meses elabora esculturas a partir de materiais coletados no lixo e é formada por Rodrigo Machado, 37, e Cleber Padovani, 29, também conhecido como Pado.


Quando cheguei ao meu destino, percebi que a caixa de correio havia sido criada a partir de um pneu. O conceito “intervenção” de fato estava no ar. O ateliê ficava ao lado esquerdo da entrada principal da casa, mas antes do bate-papo, fui convidado para almoçar. O conceito de elaborar montagens faz parte da rotina de Rodrigo até nos momentos em que ele vira cozinheiro, dois tipos diferentes de macarrão dividiam a mesma panela.


Após a refeição, a conversa começou. Rodrigo e Pado me contaram que a dupla se conheceu após alguns projetos na área de cenografia. “Começamos a trabalhar juntos e percebemos muitas coisas que a gente tinha em comum, entre elas, coletar resíduos na rua e levar para casa”, conta Rodrigo. Entretanto, quando notaram que havia certa afinidade entre os dois, ainda levou um tempo para o projeto sair do papel. “A gente sempre falava “vamos qualquer dia, vamos qualquer dia”, e como todo final de semana tinha evento, nunca dava”, lembra Pado. Certo dia, a decisão de iniciar o trabalho foi tomada, nascia o Urban Trash Art. “Era um domingo. Saíamos aos domingos porque era o único dia livre que a gente tinha”, diz Rodrigo.


Todo artista de rua possui boas histórias e com o Urban Trash Art não é diferente, ao longo da conversa, fiquei sabendo das vezes em que a dupla se deparou com figuras bem conhecidas do contexto urbano como mendigos e garis. “Com garis temos várias histórias, até ajudamos eles a limpar em algumas ocasiões”, lembra Rodrigo. Certa vez, a dupla desmontou duas esculturas para aproveitar o material na elaboração de outra obra, quando surgiram dois moradores de rua. No momento em que Rodrigo e Pado estavam de saída, um dos mendigos virou e perguntou: “o que eu faço se alguém quiser comprar isso aí?”, foi então que Rodrigo respondeu: “pode vender, acho que você consegue pegar uns dez mil dólares”. No entanto, o destino daquela obra foi bem diferente do que eu podia imaginar. “Quando passei por lá, alguns dias depois, notei que ele havia desmontado metade da obra. Com metade ele fez uma fogueira e com a outra parte fez um barraco. Ele estava morando dentro da escultura”, diz Rodrigo.


Com tantas histórias e experiências relacionadas à arte, pensei que tanto Pado quanto Rodrigo tinham formação em artes, mas para minha surpresa, a trajetória deles é bem diferente. “Me formei na FAAP, em Licenciatura e Educação Artística e já pintava telas”, conta Rodrigo. Já Pado foi acumulando conhecimento instintivo, algo que nasce com o artista. “Eu não sei como explicar muito bem, sou artista plástico autodidata, não fiz faculdade, não fiz nada. Fui me virando e aprendendo as coisas na raça”, lembra. Acreditar que arte se aprende somente na faculdade é limitar a habilidade que certas pessoas desenvolvem, pelo simples fato de terem nascido com esse dom. “Tanto eu que fiz faculdade como ele que não fez, somos iguais, estamos juntos”, completou.

Toda obra necessita de um nome para ganhar vida, nesse aspecto, as esculturas elaboradas pela dupla chamam a atenção. “Certa vez, fizemos um trabalho no SESC Araraquara e tínhamos pensado em diversas coisas, mas na hora tudo mudou e decidimos fazer um caracol. Durante a montagem, o caracol começou a parecer um jacaré e então batizamos a escultura de jacaracol”, conta. Quando a entrevista caminhava para o seu desfecho, Rodrigo colocou um pedaço de madeira debaixo do meu gravador, alegando que a captação do som ficaria melhor, puro instinto de intervenção.


O ano de 2010 foi muito bom para a dupla, eventos importantes como a Virada Cultural e o mega festival SWU foram bastante comemorados pela dupla. “O SWU será a maior vitrine que a gente já teve e o nosso vigésimo trabalho”, destaca Rodrigo. O pouco tempo de estrada trouxe bons frutos e Pado não esconde a satisfação de um trabalho bem feito. “Por mais que sejamos malucos, nós chegamos e fizemos a coisa acontecer”, diz.


Definir o trabalho do Urban Trash Art é passear por uma série de possibilidades que vão desde sustentabilidade até uma espécie de trabalho politizado. “O mundo precisa de pessoas que pensem nessa questão do lixo”, diz Rodrigo. Já o engajamento, serve para mostrar ao público outra visão, no que diz respeito ao lixo urbano. “Antes de você jogar fora isso, com esse objeto é possível fazer outra coisa”, conta Pado.


Pelo que parece, a dupla Urban Trash Art está bem afinada. Seja na amizade ou nas experiências artísticas, Rodrigo e Pado certamente terão um caminho de sucesso pela frente. A proposta de elevar materiais encontrados no lixo à categoria de arte, como Marcel Duchamp fez com o urinol, representa uma maneira bastante conceitual de fazer arte. O entrosamento da dupla não é percebido somente nas intervenções artísticas, mas também nas brincadeiras, como o pedido que Pado me fez no final da entrevista. “Não esqueça de colocar na matéria que o Rodrigo me mata de vergonha”.