quarta-feira, 9 de junho de 2010

Espetáculo pop/erudito das ruas

Cia As Marias
Por Nilton Carvalho

Era uma tarde de outono, mas o frio lembrava muito o inverno, apesar do sol que brilhava no bairro do Calux em São Bernardo do Campo. A Praça Névio Albiero , inaugurada em 2007, foi o palco escolhido para a apresentação do grupo de teatro de rua Companhia As Marias.

Com a proposta de se apropriar dos espaços públicos, a companhia visa atrair pessoas que não estão acostumadas a ir ao teatro. O grupo, formado por Cibele Mateus, 24; Patrícia Janaína, 25; Cristiane Santos, 27; Anderson Gomes, 28, e Eric de Oliveira, 24; acabava de finalizar o ciclo de ensaios de seu último projeto antes de partir para os grandes centros urbanos. Juntos, decidiram transformar calçadas e praças em palco e cidadãos apressados em espectadores ocasionais.

A peça A moça que casou com o diabo é o trabalho mais recente. Nele, elementos populares e eruditos se unem proporcionando momentos de pura interação com a platéia. O título ousado desafia a religiosidade, mas, no decorrer das cenas tanto adultos quanto crianças se divertem com a história de uma moça “encalhada”, com mais de trinta anos, que acaba casando com o diabo.

Os olhares atentos do público observam a humilde devota de São Gonçalo, desapontada com o santo que não consegue dar a ela um bom pretendente, cair nas garras do sedutor vilão, que disfarçado de galã, consegue seduzi-la. A figura do diabo, o ser maligno mais temido entre as sociedades cristãs, parece não assustar as crianças que acompanham de perto todas as cenas do espetáculo.

Os ensaios semanais na praça traçaram uma relação especial entre o grupo e o público local. Alguns dos pequeninos espectadores sabem exatamente o desfecho da historia, mas não deixam de dar palpites durante a peça para que a moça descubra as reais intenções do demo. Um detalhe importante: os integrantes tiram toda a sujeira do local antes das apresentações. Na opinião do grupo, os ensaios são uma boa oportunidade para conscientizar as pessoas sobre a importância de se preservar a praça.

Quando o cenário fica pronto, crianças e adultos se acomodam no chão de concreto para acompanharem juntos a peça. Assim como o termômetro que mede a febre, a platéia serve de parâmetro para que o grupo saiba exatamente o que é possível melhorar na dramaturgia.

Durante as cenas, a platéia é questionada sobre diversos assuntos rotineiros da vida e é possível até ouvir uma ou outra citação de figuras bem conhecidas do cenário pop mundial, como o cantor Justin Timberlake. São esses elementos que fazem com que o público se identifique de imediato com a linguagem numa verdadeira salada pop/sofisticada. Quem já conhece o desfecho, faz questão de apreciar até o fim e quem assiste pela primeira vez, certamente terá outras oportunidades de vê-los ali no bairro.

Ensaios e mais ensaios para que esteja tudo certo quando o grupo partir rumo às apresentações nos parques e praças das regiões centrais do ABC e de São Paulo. Não importa se o público é formado por executivos engravatados, operários, crianças, mulheres ou moradores de rua, pois o desejo do grupo é estar ali, na selva de concreto, atraindo gente de toda sorte para conhecer a história da moça que casou com o diabo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Tamanduateí, o rio poluído que corta o ABC


Crônica sobre o rio Tamanduateí, publicada no jornal-laboratório do curso de jornalismo da Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS.
Ilustração:Mariana Meloni


Por Nilton Carvalho

O rio Tamanduateí, cujo nome em tupi quer dizer “tamanduá grande”, nasce em Mauá, na região da Serra do Mar, e deságua no rio Tietê, no bairro do Bom Retiro. Sua história começa alegre e cristalina como as águas de uma nascente que desconhece a poluição e termina triste, como uma tragédia shakespeariana, por conta do esgoto urbano que contaminou a pureza de suas águas.

No início do século XX, o rio Tamanduateí era muito importante para os moradores do grande ABC. Muitos aproveitavam seu percurso, que atravessa os municípios de Santo André e São Caetano, para chegarem a São Paulo por meio de embarcações rio adentro. À época, era possível ver mulheres, donas de casa, lavando roupas nas margens do Tamanduateí com suas tábuas de lavar jogando conversa fora em manhãs ensolaradas.

A pesca era outra atividade possível nas águas do rio. Embora hoje isso possa parecer motivo de piada, pescar no Tamanduateí era tão comum quanto tapar o nariz para evitar o mau cheiro do rio atualmente. Sempre que o nível das águas subia os cardumes aumentavam e todos aproveitavam para pescar. Mas a pesca não era a única atividade possível por lá. Nas margens do rio, a molecada gostava de caçar rãs, frangos d’água e patos selvagens bastante comuns na região.

No entanto, a população aumentava em São Paulo e nas cidades do grande ABC e a urbanização crescia cada vez mais nos arredores do rio Tamanduateí. Não demorou para que o verde que prevalecia nas proximidades do rio fosse substituído por um novo tipo de selva, a de concreto, bem conhecida nos dias de hoje.

O ano de 1950 foi o grande divisor de águas na história do rio. Tudo começou com a construção de um pólo petroquímico em Capuava, no município de Mauá. Sim, na mesma cidade onde estão localizadas as nascentes do Tamanduateí. Começa então a tragédia ambiental que transformou o rio, tão importante para os moradores no começo do século, num fétido esgoto a céu aberto.

O avanço industrial cresceu nos moldes do capitalismo, buscando cada vez mais o lucro. Um avanço brusco e desenfreado que não se preocupava com as consequências ambientais. E assim o rio foi sendo poluído gradativamente ano após ano sem parar.

O Tamanduateí passou a receber intermináveis quantidades de esgoto urbano e resíduos químicos provenientes das indústrias com tamanha intensidade, que hoje em dia fica extremamente difícil imaginar que no mesmo rio um dia foi possível navegar, pescar e até nadar.

Mas quem pode ser responsabilizado por tamanha tragédia ambiental? Muitos são os culpados. Primeiramente os governos que viraram as costas para o problema quando a situação ainda estava sob controle. Em segundo, as empresas que não se preocuparam com o meio ambiente ao despejarem produtos químicos nas águas do rio. E nós, sim nós, a população que não cobra das autoridades soluções ambientais para um rio que está tão próximo da região em que vivemos.

Os benefícios que o rio Tamanduateí oferecia aos moradores no começo do século foram simplesmente esquecidos num passado pra lá de distante. O mesmo rio que um dia foi tão útil, hoje recebe resíduos químicos, lixo e esgoto produzidos pelo homem que certa vez usufruiu de suas águas. Uma triste ironia, levando em consideração as discussões atuais a respeito da emissão de gases estufa e aquecimento global.

Se o homem moderno está tão engajado em questões ecológicas, por que não começar pelo rio poluído que atravessa a sua cidade antes de tentar salvar o planeta? Reverter a situação trágica do rio Tamanduateí já seria um bom começo rumo às conquistas ambientais necessárias para um futuro sustentável.