segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A chuva que destrói sonhos


Por Nilton Carvalho

Uma crônica baseada na triste situação de muitos moradores de São Paulo após as fortes chuvas da última semana...


O despertador anuncia o começo de mais um dia de trabalho às 5h da manhã. O pedreiro José Clementino, também conhecido como Zé, toma sua tradicional xícara de café acompanhada de meia fatia de pão e, logo em seguida, parte para o trabalho sem demora. Zé trabalha numa obra localizada no bairro do Morumbi e acha que o salário e os benefícios oferecidos lá são bons, por isso, não quer chegar atrasado de jeito nenhum.

Era uma típica quarta-feira e a animação começava a aparecer, pois a semana já estava quase acabando e o descanso merecido do sábado se aproximava. O dia começou quente e logo cedo os termômetros já marcavam 28 graus. Quando chegou ao trabalho, logo percebeu que o clima era de descontração entre os colegas. A época das festas se aproximava e a primeira parcela do 13º havia caído, o que garantia que muitos deles teriam um natal razoavelmente bom.

Depois do almoço, a turma se reuniu em frente à obra e o radinho de pilha de Gonçalves, um dos colegas de trabalho, estava sempre sintonizado no noticiário durante a pequena pausa. A rádio anunciava que a previsão do tempo para àquela tarde seria de forte chuva em toda a Grande São Paulo, devido ao calor. Mas, a notícia passou despercebida pela turma que discutia sobre o futuro da seleção brasileira em ano de copa do mundo.

Às três e meia da tarde o céu mostrava sinais de que em breve cairia uma tempestade em São Paulo, conforme a previsão do tempo havia alertado. Zé começou a ficar preocupado porque sabia que a chuva, na maioria das vezes, transformava a cidade num caos sem precedentes, principalmente, nas regiões de baixa renda como o bairro onde morava. Não demorou muito e a tempestade começou.

A preocupação de Zé se tornou uma infeliz realidade quando na metade do caminho o ônibus em que ele estava parou. Era impossível continuar o trajeto por causa do alagamento na pista, que ocasionou quatro horas de espera dentro do ônibus até que as águas baixassem. Já eram quase 11 horas da noite e Zé ainda não havia conseguido voltar para casa. Ele permaneceu calmo e, finalmente, conseguiu descer no ponto próximo de sua residência, no Bairro de São Miguel Paulista.

Quanto mais ele caminhava, mais sirenes de bombeiros e ambulâncias ele via. Foi então que um calafrio percorreu todo o seu corpo, como um anúncio do que estaria por vir. A faixa de isolamento não permitia que ele seguisse em frente, mas, ao avistar de longe sua casa ele só conseguiu enxergar um barranco cheio de destroços das casas que desabaram juntamente com a sua.

Zé atravessou a faixa de isolamento e correu como nunca havia corrido antes. Alguns bombeiros tentaram impedir que ele prosseguisse e ele então gritou: “Eu moro aqui, quero saber onde está minha família!” De repente ele ouviu a voz de sua esposa Regina, que trazia nos braços sua filha, a pequena Clara. Ao cair de joelhos no chão, Zé se pôs a chorar, talvez de alívio ou de alegria. Uma mistura de sentimentos e emoções difíceis de descrever. Durante a tempestade, Regina sentiu a casa tremer e imediatamente saiu correndo com a filha nos braços, minutos depois tudo desabou.

Uma grande cidade como São Paulo, constantemente atrai pessoas de outros estados, que vêm em busca de uma vida melhor. Mas, infelizmente muitas vezes o sonho acaba como o de Zé, que perdeu tudo no desabamento de sua casa. O barraco havia sido construído próximo de uma encosta, numa área proibida. Dezenas de famílias construíram suas casas no local considerado de risco e, na ausência de fiscalização por parte do governo, permaneceram lá até o triste dia do desabamento.

Zé, agora olha para o que sobrou de sua casa com muita tristeza. Em poucos minutos de chuva forte tudo o que ele havia construído desabou, mas felizmente sua família não sofreu nenhum arranhão. Buscar forças para renovar a esperança será uma tarefa das mais difíceis, principalmente, quando se necessita de auxílio do Estado. A única alternativa que restou para as famílias que perderam tudo, inclusive os sonhos.

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